Trail Serra da Lousã

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Este ano inscrevi-me no UTAX (88 Km) bastante cedo, mal abriram as inscrições, ainda antes de completar a minha prova rainha de 2013, o Grand Raid des Pyrénées (160 km).

Após o esforço brutal que expendi para completar os 160 km com 10.000 m de desnível positivo (D+), e as lesões que me acometeram antes (contratura da coxa esquerda), durante (metatarsálgia do pé esquerdo) e após a prova (tendinite do rotuliano do joelho direito e contraturas nos aquiles), decidi que era mais sensato mudar a inscrição dos 88 km para a prova de 44 km, o Trail Serra da Lousã (há quem diga que o sensato seria ter ficado na caminha a curar os estragos, mas enfim, quando se tem esta doença de cura difícil, que é o vício da corrida em Trilhos, o que é ou não sensato é visto a uma luz diferente...)

Não queria faltar a esta festa do trail que são as provas organizadas pela Go-Outdoor na Serra da Lousã. Desde 2011 que participo em pelo menos duas provas do circuito AXtrail, normalmente na primeira do circuito (Foz de Alge/Ferraria de S. João em 2011 e 2012) e na última (em 2011 o K42 e em 2012 o UTAX). Este ano a Go-Outdoor iria apenas realizar um evento, em duas distâncias, o UTAX/TSL (88 km/44 km) e eu não poderia faltar. Não sendo possível fazer a distância maior, que diabo!, 44 km já são kms suficientes para para gozar o trilho!

Inicialmente era para ir com a minha família, companhia indefectível destas minhas aventuras e panaceia para todos os males que me acometem nos trilhos. No entanto, à última da hora surgiram complicações que impediram a sua deslocação e assim não tive outro remédio senão viajar sozinho, pois já era demasiado tarde para encontrar outras soluções.

Descobri também, já demasiado tarde, que este ano a prova teria o seu centro logístico em Castanheira de Pêra, em lugar de o ter, como nos anos anteriores, na Lousã! E eu que tinha reservado um quarto para duas noites com 4 camas na Pousada da Juventude da Lousã! O erro foi meu, que a informação estava clara no site da organização. Enfim, foi um deslize cognitivo, li aquilo que estava à espera e não aquilo que efectivamente estava escrito.  Acontece-me com alguma frequência. Deve ser culpa daquele senhor alemão... o Alzheimer!

Mas já chega deste preâmbulo algo extenso!

Na sexta-feira, dia 18 de Outubro, meti-me no carro e encaminhei-me para a Lousã. Pelo caminho apanhei uma chuvada como já não via há algum tempo. Pensei com os meus botões - bonito, se amanhã isto está assim, vai se um remake do dilúvio do ano passado, mas em ponto mais pequeno.

Pelo caminho parei numa estação de gasolina para comer uma sandes de leitão à pressa, que já era tarde e eu ainda queria dormir um bocado antes da prova.

Já passava das 21h quando cheguei à Pousada da Juventude.  Na receção perguntei quanto tempo era dali até Castanheira de Pera. Responderam-me que pela Serra era mais de uma hora! Pensei – já me lixei! Estava a contar dormir mais um bocadinho, uma vez que a prova começa apenas às 9h em lugar das 6h do UTAX. Bem, sirvam-me o pequeno-almoço às 6h30 por favor. Lá vou eu ter que acordar às 6h15...

Sozinho num quarto com 4 camas de beliche, demorei imenso tempo a adormecer. Já passava da meia-noite quando o João Pestana finalmente atacou.

Estava eu profundamente adormecido, a sonhar com serras e montes, trilhos e ribeiros, árvores e calhaus, quando subitamente o despertador me martelou fortemente a cabeça oferecendo-me um súbito e brutal despertar. Desliguei-o, levantei-me tropego e dirigi-me sonâmbulo para a casa de banho, a fim de me preparar para o dia. Quando volto ao quarto ocorre-me que há algo de errado. Seis horas de sono não me podem ter deixado naquele estado tão letárgico. Pego no telefone e olho para verificar as horas... Raios ainda nem são 5 horas! Só então me apercebo que não foi o despertador mas sim o meu treinador, o Paulo Pires, que me ligou às 4h40. Como há mais malta da Armada que vai correr na prova maior, com início às 6h, deve-se ter baralhado e ligado para mim cedo demais. Penso, “cromos” (ele e eu) e vou-me mas é deitar novamente, a ver se o sono interrompido não voou pela janela. Felizmente, a pedrada era tão grande que adormeço quase instantaneamente.

Às 6h15 repetição do início da cena anterior, mas desta vez confirmo cuidadosamente se é o despertador ou novamente o Paulo. Não, desta vez vou mesmo ter que me levantar, se não quero perder o tiro de partida.

Às 6h30 encontro-me sozinho no refeitório a comer pão com mel e um café com leite meio aguado, quando o que precisava mesmo era de um expresso forte o suficiente para levantar um morto!

Às 7h estou de partida para Castanheira de Pêra. O que me valeu foi a doce e metálica voz feminina do GPS, que me orientou fielmente pelas curvas e contracurvas da serra até à Praça da Notabilidade.

Levanto o dorsal, termino os últimos preparos e às 8h30 estou no largo, em amena cavaqueira com os companheiros de aventura. O primeiro que encontro é o Leonardo Diogo companheiro da Armada, sempre animado e divertido. Depois cumprimento o Fernando Pinto, organizador da prova.
Seguidamente juntam-se-me o Emanuel Oliveira, companheiro dos treinos na Serra de Sintra e o Jorge Esteves e o Teodoro Trindade, companheiros do Run 4 Fun. Esta é outra das facetas que me fazem adorar os trilhos: o convívio com pessoas interessantes e simpáticas.






Este ano o controle de passagens é feito com um sistema de códigos QR, aqueles códigos de barras bidimensionais. Somos controlados à entrada do recinto da partida.

Às 9h, após o costumeiro briefing feito pelo Fernando Pinto, é dado o tiro de partida. Saímos disparados pelo alcatrão, viramos à direita e abandonamos Castanheira de Pêra.
Sigo rápido atrás de Emanuel, mas tenho que fazer uma paragem para despir a camisola termica, devido ao calor que começo a sentir, e quando recomeço já ele se afastou. Entretanto sou ultrapassado pelo Bruno Fernandes, de O Mundo da Corrida, e também ele companheiro dos treinos de Sintra. Como sempre, vem cheio de força, e também me deixa para trás.
Vou sentindo algum desconforto nos aquiles, que, no entanto, com o aquecimento se vai atenuando e deixando-me gradualmente menos apreensivo e mais confiante. Relaxo. Sigo num ritmo confortável. Não estou aqui para provar nada a ninguém.

No fim da primeira subida entramos num estradão comprido onde se progride rapidamente, pela cumeada da Serra, durante cerca de 7 km. Vou conversando com os companheiros com que me cruzo.  Vamos subindo pela serra em direcção às eólicas. Está nevoeiro e frio, mas o ritmo da corrida mantem-me quente.

Depois descemos por um trilho de lama tão barrento que é difícil não escorregar por alí abaixo. Recordo-me bem de no ano anterior ter passado por alí, no percurso do UTAX, e a lama já ter sido toda pisada o que a tornava particularmente escorregadia. Desta vez ainda não passou muita gente do Trail e apenas o Armando Teixeira da Ultra. Este homem é uma máquina!

Passo pelas várias aldeias de Xisto bem preservadas, Catarredor, Vaqueirinho e por fim o Talasnal, no km 16 e onde se encontra o primeiro abastecimento. Está uma fila de atletas à espera de ser controlado pelo sistema de QR, o que é um processo um pouco lento, mas eu não me importo e considero o decanso bem vindo. Quando chega a minha vez perguntam-me o número do dorsal para apontar numa folha, eu olho para baixo e digo 42! (sou o 24). Hilariedade geral! Parece de anedota, deve ser da falta de oxigénio no cérebro.

Encontro o Emanuel, como uns pedaçoes de banana e marmelada e lá vou eu novamente por alí abaixo. Algumas centenas de metros depois o trilho divide-se em dois: Ultra para a esquerda e Trail para a direita.




Lá vou eu em direcção ao abastecimento da Cerdeira no km 22. A paisagem é fantástica, não chove, o dia está fresco, excelente para correr. Junto com o Emanuel e mais uma fila de companheiros, corremos 800 m sobre uma levada, em ritmo poupado pois é necessário progredir com cuidado pois a queda para o lado esquerdo seria feia dada a ravina que se nos oferece. Subimos pela Aldeia do Xisto do Candal onde me perco temporariamente mas rapidamente retomo o curso correcto.
Ao fim de 2h53 de prova chegamos ao abastecimento de Cerdeira. Estou em 34 lugar. Encontro à porta o Paulo Pires. Ao início nem o reconheço, pois não estou à espera de o ver ali. Dou-lhe um abraço e ele dá-me umas indicações acerca do que devo fazer. Isto é que é um coaching presencial! A presença do treinador anima-me.

Após abastecimento saio novamente com o Emanuel. Vamos sensivelmente a meio da prova. Agora vamos ter que subir até aos aerogeradores de Vilarinho e Trevim, a 1205 m de altitude, o ponto mais alto da prova. A subida é extenuante e acabo por apanhar o Bruno, que vem com algumas dificuldades, fruto de algumas lesões provocadas por uma longa época e muitos kms nas pernas. Do Trevim seguimos para Santo António da Neve, passando junto à Capela e aos Poços de Neve. Aqui tem incío o trilho mais interessante (trilho do neveiro) que desce abruptamente para o Coentral, onde encontraremos o terceiro abastecimento. Desço rapido mas mesmo assim sou ultrapassado por atletas mais fortes nas descidas, como o Bruno que parece voar por alí abaixo. Sou ultrapassado pelo Luís Mota, que vem em segundo lugar na Ultra. Sinto-me como se estivesse parado ao vê-los passar que nem setas!

Um pouco antes de chegar ao Coentral sou ultrapassado pelo Rui Seixo, que vem em terceiro lugar na Ultra. Pergunta-me quantos kms faltam até ao final e eu digo-lhe que devem faltar cerca de 12. O meu Garmin marca 32 km no Coentral. Alimento-me e arranco rapidamente. A partir daqui o percurso não é tão belo e quero terminar o mais rapidamente possível. São 12 km de descida suave, por estradões e estrada, que me me fazem passar pela Praia Fluvial do Poço do Corga e me levam novamente até Castanheira de Pêra. Aos 5h16 de prova chego à meta na Praça de Notabilidade, em 21º lugar, feliz e satisfeito com mais um dia bem passado.




Reencontro o Paulo e o Telmo Dourado e reunem-se-me o Bruno e o Emanuel. O Trail é uma festa para os amantes da modalidade. Conversamos, trocamos ideias, contamos episódios. Verifico o material à venda na feira de artigos desportivos de trail. Vou tomar banho e almoçar.

Às 16h40 tenho que voltar, para ir buscar os miúdos a casa dos meus pais.

Já estou como o Jel e o Falâncio: O Trail é alegria pá!


Comentários

  1. Obrigado Luís,

    É isso mesmo, o Trail é alegria e convívio, pá!!

    Só quem lá vai é que percebe!! De que é que estão à espera?

    Runabraço

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  2. E como diria o José Carlos Malato: já fui muito (mais) feliz em provas de trail!
    Belo relato!
    Parabéns!

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